A Helexia organiza no dia 8 de março às 10h, Dia Internacional das Mulheres, o evento online “Mulheres com Energia” que se dedica a destacar a liderança no feminino em Portugal. O evento terá transmissão Live nas plataformas Linkedin e Youtube. Filipa Newton é nossa convidada, a quem fizemos a seguinte entrevista para a conhecermos melhor.
Como descreve o seu percurso profissional?
Entusiasmante, variado e com um início pouco convencional, que influenciou muito positivamente a forma como encaro a vida e a minha área de eleição e “missão”: a engenharia do ambiente.
Quis sair de casa cedo e por isso comecei a trabalhar durante a faculdade. Trabalhei noutras áreas (publicidade, marketing, numa associação científica para o estudo da SIDA), e apesar de isso me afastar temporariamente da vida académica, que interrompi por uns anos, aprendi muito, e ganhei a resiliência que precisava para mais tarde terminar o curso diurno enquanto trabalhava a tempo inteiro.
De volta à área do ambiente, trabalhei primeiro com foco nas empresas utilizadoras de recursos, depois com foco nos setores fornecedores desses recursos (setores da água, energia, resíduos), duas perspetivas muito ricas e complementares para poder ajudar a pensar políticas públicas no think tank Plataforma para o Crescimento Sustentável (PCS), onde aprendi muito com grandes mentores e mentoras.
Foi depois uma oportunidade excecional poder contribuir para a conceção e implementação de políticas públicas de ambiente, energia e ordenamento do território no gabinete do Ministro Jorge Moreira da Silva.
Atualmente, na ADENE – Agência nacional para a Energia, tenho a possibilidade de trabalhar na operacionalização de políticas públicas e de objetivos ambientais, e de ter iniciado uma nova área da missão da ADENE, a área da eficiência hídrica, com o forte apoio de pessoas extraordinárias que fazem da ADENE uma organização fora de série.
O que lhe dá mais energia no seu dia a dia?
A minha família e a oportunidade que felizmente tenho de, com o meu trabalho, fazer acontecer coisas boas.
Um aspeto que me motiva muito, que resulta do caminho que tenho vindo a construir, e que está também no ADN da ADENE, é a possibilidade de agir para promover a mudança e a transição energética, hídrica e climática. A operacionalização de políticas públicas não depende apenas da existência de legislação e obrigações específicas, está muito mais relacionada com a capacidade de criar, executar, capacitar (profissionais e cidadãos) e, claro, monitorizar e melhorar continuamente.
O trabalho que a ADENE tem vindo a implementar na área da eficiência hídrica (muito menos legislada do que a da energia), e os vários instrumentos voluntários que tem vindo a lançar para a promoção da eficiência hídrica (AQUA+) e da eficiência energética de produtos (CLASSE+), edifícios (casA+) e mobilidade (MOVE+) são um bom exemplo disso mesmo.
É também muito compensador e motivador ver a evolução da área da eficiência hídrica e do nexus água-energia. Em poucos anos, como resultado de muito trabalho e persistência das pessoas da ADENE, este passou a ser um tema plenamente integrado e transversal a todas as áreas de atividade e contributo da Agência para a sociedade, com reflexos no país e não só.
Desde a vertente de inovação e capacitação (com dois projetos nacionais e cinco europeus totalmente inovadores), passando pelo apoio à operacionalização de medidas de eficiência hídrica (e.g. o alargamento, em curso, do Barómetro ECO.AP, para monitorização e redução de consumos de água na administração pública), até à criação de referenciais nacionais próprios (como o AQUA+ “Água na Medida Certa”), temos hoje importantes instrumentos e incentivos de mercado e benchmarking para ajudar os cidadãos e as empresas a melhorar o seu uso da água.
Na sua opinião, quais são os grandes desafios das próximas gerações?
Um deles é o de prever e antecipar desafios e a intensidade com que nos podem afetar. Nestes incluem-se desafios resultantes da mudança climática (que nos surpreende em diferentes regiões do globo), e outros (apesar de potencialmente relacionados), como é o caso atual do COVID-19: não era um risco esperado a esta escala, em termos geográficos e temporais, número de pessoas afetadas e gravidade das suas consequências. No entanto, a sua ocorrência (precedida de outros vírus aparentemente com origens similares) denota outro desafio da nossa sociedade global: a falta de aprendizagem e mudança de rumo com as experiências do passado.
Relacionado com este último desafio, os outros desafios (e oportunidades) que mais me preocupam, e que estão também interligados, são o desafio ambiental à escala global, os desafios e oportunidades tecnológico e espacial, e o egoísmo geracional e geográfico, que infelizmente subsistem.
A transição energética e melhoria ambiental que ambicionamos e perseguimos em Portugal, na Europa e nos países mais desenvolvidos é fundamental, mas é fundamental que aconteça de modo inclusivo a nível nacional e internacional, envolvendo todos os cidadãos, salvaguardando as gerações futuras e abrangendo os países menos desenvolvidos.
A atual revolução e potenciais tecnológico e espacial podem, se bem aproveitados, ajudar-nos nesse processo, reduzindo a transferência da poluição para outros países e assegurando que a transição energética e ambiental é efetiva e global. Porque os impactos ambientais, sanitários e sociais, mesmo que em países “distantes”, são também globais, afetando todo o planeta, todos os países.
Para que essa transformação aconteça, é importante, claro, o papel das organizações internacionais, mas é também muito importante a exigência dos cidadãos, nomeadamente das novas gerações, cada vez mais preocupadas com escolhas de vida saudáveis e sustentáveis.
Para que esta exigência seja mais consciente e consequente, é importante a capacitação, em particular no que respeita ao poder de cada cidadão como consumidor e utilizador, através da escolha de produtos, serviços, modos de mobilidade, entre outros. Os cidadãos têm o poder de pressionar positivamente as empresas e os decisores políticos para um melhor desempenho e compromisso com a sustentabilidade, incluindo na produção e na ação, não só a nível nacional, mas também internacional.
Contribuindo para essa capacitação, a ADENE, através do CINERGIA, vai em breve lançar uma iniciativa para ajudar os cidadãos a responder ao desafio das alterações climáticas e o cumprimento dos objetivos de uma Europa mais verde, contribuindo para a transição climática.
Mencione um filme ou livro que a tenha inspirado.
Livro Exodus, de Leon Uris. Uma história (ou melhor, várias) de coragem, resiliência, força extraordinárias que, na realidade, é a força que Mulheres e Homens determinados, com objetivos e missões bem definidos, têm quando confrontados com provações excecionais.
Que outras mulheres inspiraram o seu percurso e porquê?
Desde logo, na construção de caráter, as mulheres da minha família, a começar pela minha mãe e a minha tia, sinónimos de força e coragem feminina. As minhas irmãs, que ainda hoje são fontes de inspiração, como mulheres fortes, independentes e determinadas.
No início da minha formação académica, uma referência, incontornável na altura, e ainda hoje, foi a Dra. Harlem Gro Brundtland. Quando decidi seguir engenharia do ambiente, o Relatório “Our Common Future” que encabeçou, era o guião do desenvolvimento sustentável, mantendo-se atual em muitos aspetos. O mesmo acontece com a sua visão sobre a forte relação entre o desenvolvimento sustentável e a saúde, e a sua preocupação com a falta, e a necessidade, de cooperação e equidade internacional no desenvolvimento, na sustentabilidade e na saúde.
Já na minha vida profissional, tive a oportunidade de conhecer, ainda que brevemente, mas cujo trabalho acompanho à distância, uma mulher portuguesa notável e inspiração para mulheres e homens no setor da água nacional e internacional: Catarina de Albuquerque, com uma dinâmica e trabalho singulares e fundamentais no reforço da água e saneamento nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
No meu crescimento profissional, têm sido muitas as mulheres com quem tive e tenho o privilégio de aprender e trabalhar, todas elas fonte de inspiração, incluindo as mulheres extraordinárias e cheias de energia da ADENE.
Que característica acha indispensável em qualquer liderança e porquê?
Energia, sem dúvida. Aliada a um forte sentido de missão e responsabilidade, mentoria, competência, convicção e inspiração, e a um bom equilíbrio entre confiança e humildade, que permita partilhar conhecimento, ouvindo e aprendendo continuamente com os outros.
Que medidas podem as empesas tomar para tornar a relação com os recursos hídricos mais eficiente?
Desde logo, aumentar o seu conhecimento sobre o tema, sobre os seus consumos, disponibilidades, desperdícios e potencial de eficiência e reutilização.
Sobre o tema, além da importância da conservação dos recursos hídricos, cuja escassez crescente afeta todos os setores, a redução da sua utilização é possível, com benefícios para todos os cidadãos e empresas:
- Nos edifícios, existe um potencial de eficiência hídrica de 30 a 50%. Adicionando os benefícios do nexus água-energia, estamos perante uma poupança potencial de mais de 800 milhões de euros por ano só no setor doméstico. Este valor aumenta se considerarmos todos os edifícios, incluindo comércio e serviços;
- Na indústria transformadora, o potencial de redução nos consumos de água é de 20 a 50%, passível de gerar uma poupança anual nos sub-setores mais consumidoresequivalente a 50 milhões de euros de valor económico (tendo em conta que muitas empresas têm captações próprias).
Para conhecerem melhor os seus consumos e desperdícios, a monitorização é uma medida simples e eficaz. Existem cada vez mais tecnologias que permitem o conhecimento de consumos reais e, com ela, uma melhor gestão da água e da energia associada (energia usada para bombagem, aquecimento, tratamento, etc.). Por exemplo, a Rede TECH AQUA+, divulga já algumas das melhores soluções de monitorização para edifícios e gestão urbana (mas também outras instalações), prevendo-se o crescimento contínuo desta Rede com novas soluções e aplicações.
A melhor identificação dos desperdícios e a recomendação das medidas mais adequadas para a eficiência e reutilização beneficia da realização de diagnósticos e auditorias realizadas por profissionais especializados. Na energia esta é uma prática habitual, e existem há vários anos referenciais e benchmarks que ajudam neste processo. Na água, o AQUA+ surgiu precisamente com esse objetivo, fornecendo um referencial e capacitando profissionais para auditorias a edifícios, atualmente residenciais e em breve hotéis (2021) e outros edifícios de comércio e serviços (2022).